Detido há sete meses no Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL), L. tinha recebido uma única visita, de um irmão. De nacionalidade francesa, o jovem de cerca de 30 anos estava afastado da família e fechado num círculo de solidão. Sábado foi encontrado morto na cela. É mais um caso nas estatísticas dos suicídios nas cadeias portuguesas, que apresentam uma taxa de frequência 15 vezes superior à da população em geral.
O número de casos duplicou no ano passado. Até Novembro tinha havido 16 suicídios, quando em todo o ano de 2008 houve apenas sete. Os dados finais não constam do Relatório Nacional de Segurança Interna - apesar de haver um capítulo dedicado aos serviços prisionais. O Ministério da Justiça e a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais também não forneceram estatísticas actualizadas, apesar de durante três dias terem prometido responder às questões do i.
À semelhança do que acontece na maioria das situações, L. suicidou-se por enforcamento. "Não houve qualquer falha de segurança. Quando um detido quer suicidar-se, qualquer objecto serve, como um lençol", sublinha fonte do Estabelecimento Prisional de Lisboa. As regras de segurança obrigam a recolher cintos e outras peças perigosas, mas as revistas a reclusos e familiares não impedem que objectos proibidos entrem constantemente nos estabelecimentos. Basta olhar para as apreensões feitas em 2009: 5,8 quilos de haxixe, 73 armas brancas artesanais, 40 seringas e 70 agulhas.
A prevenção, num ambiente complexo como é o prisional, é difícil e cara, reconhece António Pedro Dores, da Associação Contra a Exclusão pelo Desenvolvimento (ACED). Os problemas de saúde mental têm "elevada prevalência" nas cadeias e o acompanhamento próximo de casos de risco "exige muitos recursos" e formação do pessoal. Além de que a prioridade número um é a segurança: "A pressão política e social é essa."
Em Novembro do ano passado, perante o aumento de casos de suicídio e a alarmante concentração de sete numa única prisão, a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais anunciou o lançamento de um projecto de prevenção em Custóias (Porto). Cinco meses depois, o Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional queixa-se que pouco foi feito. "Tirando uma reunião, uma espécie de palestra em Custóias, que eu tenha conhecimento não houve evolução nenhuma", afirma o dirigente Jorge Alves.
Dívidas e gangues O tráfico de droga é apontado como uma das principais razões do suicídio nas cadeias. Dívidas e medo de represálias, assim como lutas entre gangues, deixam por vezes reclusos encurralados. A ACED recebe com frequência cartas e denúncias de familiares, mas António Dores lamenta que os pedidos de ajuda cheguem quase sempre "demasiado tarde".
Nem sempre é preciso procurar causas externas às circunstâncias de isolamento, que propiciam depressões e falta de auto-estima. "Os problemas mentais são antigos nas prisões portuguesas, mas nenhuma reforma foi feita", critica o dirigente associativo. Além do avultado investimento necessário, António Dores considera que também em termos sociais o problema não é considerado relevante. "Sendo a prisão uma punição, as pessoas parecem encarar o suicídio como um risco normal."
Uma fonte próxima do recluso francês critica a falta de actividades e o grande isolamento a que estava sujeito, alegando que foi impedido de receber visitas de familiares não directos. Jorge Alves, presidente do sindicato, afirma que o jovem não tinha restrições de visitas. "Estava impedido apenas pela circunstância de estar longe da família."
Um em cada cinco presos não tem nacionalidade portuguesa. A 31 de Dezembro estavam no sistema 2263 estrangeiros, dos quais 39 franceses. Sempre que há um suicídio é instaurado um processo de inquérito, conduzido pelo Serviço de Auditoria e Inspecção. Pode também ser necessária investigação criminal, se houver indícios de homicídio. Em 2006, dois casos inicialmente tidos como suicídios, no Linhó, acabaram por revelar-se crimes por estrangulamento. A Polícia Judiciária identificou o suspeito, que cumpria pena por homicídio.
in Jornal I
domingo, 4 de abril de 2010
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