sexta-feira, 4 de junho de 2010

[Lisboa] Acerca da quantidade e da qualidade


No sábado, 29 de Maio, houve uma manifestação em Lisboa convocada pela CGPT contra o governo e as medidas de austeridade que ele está a adoptar. Houve uma presença massiva (fala-se de 300 mil pessoas), com os números obviamente a não significarem nada. Não se via um único polícia de intervenção, e isto não apenas porque a CGPT tem o seu próprio serviço de ordem (seguranças), mas principalmente devido ao auto-controlo das pessoas, gerado por décadas de lavagem cerebral e controlo por parte dos sindicatos do mínimo sinal de descontentamento.

Assumindo que as ruas e os sentimentos de revolta não são propriedade dos sindicatos, convocou-se uma concentração anti-capitalista, na qual apareceram cerca de 50 anarquistas e anti-autoritários. Este grupo, levando consigo uma faixa onde se lia “o capitalismo não se reforma, destrói-se” e outras, decidiu a dada altura fazer a sua própria marcha aparte da manifestação oficial, gritando palavras (muitas das quais haviam aparecido pintadas em paredes em diferentes zonas de Lisboa na noite anterior) como “contra a máfia sindical, guerra social”, “sabotagens e greves selvagens”, “contra o estado e o capital, guerra social”, “a liberdade está nos nossos corações, abaixo os muros de todas as prisões” e “ansiosos pela nossa liberdade, destruiremos toda a vossa sociedade”. Com frequência estas palavras começavam a ser também gritadas por pessoas que participavam na manifestação oficial (a da CGPT).

A certa altura, o grupo decidiu entrar na marcha oficial, e imediatamente os “gorilas” sindicais (seguranças), ajudados por polícias à paisana, empurraram-nos dizendo que não iríamos entrar. Nessa altura, outras pessoas (participantes na marcha oficial) começaram a gritar contra esses controladores. Após algumas escaramuças e ameaças, o grupo lá conseguiu entrar um bocado à força. Depois, e porque para muitos de nós tínhamos entrado na marcha oficial não para participar no circo político, mas para recusarmos na prática estarmos a receber ordens sobre o que é que podíamos ou não fazer, decidimos simplesmente sair novamente dessa marcha.

Depois de a manif ter terminado, numa rua de calçada e “muito pitoresca” ali ao lado (rua das Portas de Santo Antão), cheia de cafés e restaurantes repletos de turistas, tinha aparecido um carro da polícia que estava a meio da rua e havia um homem nos seus 50 anos que estava a ser levado detido algemado. Pessoas indignadas tinham rodeado o carro e alguns companheiros, que iam a caminho de comer umas batatas fritas, juntamente com todas as outras pessoas presentes (cerca de 10 nessa altura), tentaram fazer com que o homem não fosse levado para a esquadra. Alguns assobios e aparecem mais uns 10 companheiros, vindos da praça contígua onde estavam a passar o tempo. Mais pessoas também se foram juntando, e a dada altura havia já cerca de 50 a 60 pessoas a gritar contra os polícias para que deixassem o homem em paz e a chamarem-lhes fascistas. Apareceu outro carro da polícia (a esquadra é logo ali ao virar da esquina) e por essa altura o detido tinha sido metido dentro do carro, o que irritou ainda mais a multidão. Não se podia permitir que os bófias levassem a sua presa.

Chegou então uma equipa de polícias de intervenção rápida vindos da avenida paralela, e finalmente puderam expressar-se: encontraram ali a oportunidade de descarregar em toda a gente. Um deles ostentava uma shotgun de balas de borracha (bom, deviam ser de borracha) e todos eles ficaram completamente loucos, batendo desenfreadamente em toda a gente que apanhassem à frente. Felizmente, algumas cadeiras das esplanadas foram mandadas contra eles, assim como algumas garrafas. No meio desta situação, alguém ouviu uma velhota a dizer “isto é o futuro”.

A multidão foi para a praça que está no final dessa rua (a da Ginginha), um ponto de encontro para muitos imigrantes que aí estavam a passar o tempo, à medida que mais polícias de intervenção chegavam e formavam linhas para proteger os outros. Nesta altura encontravam-se já cerca de 200 ou mais pessoas diferentes a gritar contra os polícias e a certa altura gritava-se em uníssono “ninguém gosta de vocês”. Os polícias recuaram para uma rua que dá acesso à esquadra, de escudos apontados para a multidão (e com a shotgun lá no meio), recuando ao som de insultos.

Por um lado, um gigantesco exército de centenas de milhares de sindicalistas disciplinados, cada um carregando a sua bandeirola; uma marcha de morte, poder-se-ia dizer. Por outro, um simples momento social de um cliente insatisfeito num café e de algumas pessoas com a clareza de se protegerem umas às outras do inimigo. Um momento que esteve possivelmente a um sopro de se transformar num motim fora de controlo, que se poderia ter alargado aos muitos imigrantes, companheiros e pobres que estavam naquelas ruas e que por ali costumam andar. Uma massa de indivíduos excluídos de qualquer representação e da lógica reformista.

O futuro está por se escrever. Momentos de rebelião alimentam-se de momentos de rebelião e de sentimentos de revolta e de alegria. O controlo será cada vez mais difícil de impor, e os seus bastões metem-nos cada vez menos medo.

Não beijes a mão que te bate. Morde-a!

Retirado de: Indymedia PT

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